(ANSA) - Maior jogador de futebol da história, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, conquistou o mundo com seus mais de 1,2 mil gols e quase 40 títulos em duas décadas de carreira.
Uma das narrativas que revestem sua trajetória com uma aura mitológica reza que o rei do futebol chegou a parar uma guerra para que os lados em conflito pudessem vê-lo jogar.
O episódio ocorreu em 4 de fevereiro de 1969, quando o Santos e seu maior craque foram convidados para jogar na Nigéria, país da África Ocidental que era palco de uma guerra separatista com a região de Biafra, motivada por disputas de poder entre os povos hauçá e igbo.
A partida foi na Cidade de Benin, mas, para o Santos chegar ao local em segurança, teria sido necessário um cessar-fogo, de acordo com a versão oficial.
As partes então teriam decidido suspender a guerra para que o rei do futebol pudesse se apresentar, levando o alvinegro a uma vitória por 2 a 1 sobre uma seleção do centro-oeste nigeriano.
Em setembro passado, o Santos lançou até um terceiro uniforme na cor preta e com motivos africanos para relembrar esse episódio. "Essa camisa é uma referência direta à grandiosa história do nosso clube, um momento que ficou marcado até hoje e confirma como um esporte promove ações que podem mudar o mundo", disse o presidente santista, Andrés Rueda, na ocasião.
A Guerra do Biafra prosseguiu após o amistoso e só terminaria em janeiro de 1970, com a derrota dos separatistas igbos. O saldo do conflito foi de cerca de 2 milhões de mortos, a maioria por inanição.
Versão contestada
No entanto, um antropólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) contesta a versão de que Pelé e o Santos pararam a guerra.
Em artigo publicado em 2019, José Paulo Florenzano disse que, na época do jogo, a Cidade de Benin estava a 130 quilômetros da linha de frente, enquanto o território de Biafra já havia "encolhido para cerca de um quarto do que era no momento da sua criação", em 1967.
"Com efeito, em fevereiro de 1969, quando o time do Santos aterrissa na guerra civil da Nigéria, a correlação de forças então existente era amplamente favorável às tropas federais", diz o artigo, ressaltando que um cessar-fogo não seria sequer necessário.
"Soa-nos inverossímil a narrativa que atribuí a Pelé a 'façanha' de fazer com que 'as facções rivais responsáveis pela sangrenta guerra civil nigeriana concordassem com um cessar-fogo durante a visita do Santos ao país'. Ele simplesmente não era necessário, como as fontes documentais consultadas indicam de forma clara", afirma o antropólogo.
Além disso, Florenzano salienta que o Santos foi usado como peça de "propaganda" pelo governo nigeriano para diminuir a insatisfação popular com o prolongamento da guerra e para mostrar que aquela região do país estava sobre pleno controle das autoridades.
"Àquela altura dos acontecimentos, o governo militar do general Yakubu Gowon se deparava com o desgaste provocado pelo prolongamento de um conflito cujo termo não se divisava no horizonte. Os sinais de insatisfação social com a crise econômica se tornavam perceptíveis em cidades importantes da região ocidental, [...] onde o jogo do Santos era mais do que nunca bem-vindo para desanuviar o 'clima de mal-estar'", afirma o artigo.
Florenzano ainda aponta que a presença do "maior atleta de futebol de todos os tempos" na Nigéria constituía um "reforço de peso no jogo da comunicação midiática" por parte do regime nigeriano.
"A incursão do Santos pela guerra civil, nesse sentido, estava longe de se revestir de uma posição de neutralidade face aos exércitos inimigos. Ao invés de paralisar o conflito e veicular uma mensagem de paz, como pretende a narrativa edulcorada que lhe atribui uma missão pacificadora, ela contribuía para reforçar a propaganda de guerra do governo federal contra o território separatista", ressalta. (ANSA)
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