(ANSA) - Na madrugada de 11 de novembro de 2011, a Itália estava perto da falência financeira. Os rendimentos dos títulos públicos - e dos juros a pagar - continuavam disparando.
Diante do impasse político do governo de Silvio Berlusconi, o então presidente Giorgio Napolitano, morto nesta sexta-feira (22), aos 98 anos, convenceu o premiê a renunciar e confiou ao economista Mario Monti o comando de um gabinete de união nacional para salvar o país da crise.
Também com a ajuda do Parlamento, o governo aprovou a toque de caixa uma série de reformas para proteger as contas públicas, uma operação realizada sob a tutela de um chefe de Estado escrupuloso no trabalho e educado nos modos, mas inflexível em suas decisões e pronto a envolver-se, caso necessário, em batalhas acirradas por aquilo que considerava o bem da coletividade.
Giorgio Napolitano deixou uma vida repleta de batalhas, entre os aplausos óbvios dos amigos e a estima construída ao longo do tempo pelos adversários. Acompanhou nove anos de história republicana desde o Palácio do Quirinale, sede da Presidência, com a elegância que caracterizou uma vida inteira dedicada à política.
Primeiro dirigente comunista a obter visto para os Estados Unidos, admirador da cultura anglo-saxônica, excelente domínio do inglês, Napolitano reinou sobre um Quirinale que controlava os tormentos e escombros da política, forte e respeitado como nunca antes, confiável em sua projeção internacional. Um presidente que chegou ao cargo já idoso, mas aberto ao novo, aos direitos civis, progressista e convencido da universalidade da ética e da moral.
Um laico, embora interessado nos problemas da alma, apreciado e estimado no Vaticano, Napolitano lutou pela dignidade dos presidiários e trabalhou para valorizar o papel das mulheres. Assumiu um risco pessoal no delicado caso de Eluana Englaro, resistindo ao impulso da centro-direita e aos círculos católicos mais conservadores.
Englaro, que viveu em estado vegetativo por 17 anos por conta de um desastre automobilístico, faleceu em 2009, após seus pais terem vencido uma longa batalha na Justiça para interromper sua alimentação. Na época, o então primeiro-ministro Berlusconi chegou a fazer um decreto para impedir a morte de Englaro, mas Napolitano se recusou a sancionar o texto e abriu uma crise institucional na Itália.
Primeiro presidente comunista, ele iniciou seu primeiro mandato de sete anos em 2006, após a abstenção do partido de Berlusconi na votação no Parlamento. Foi um começo difícil, mas Napolitano manteve boas relações com todos os campos e foi capaz de conquistar lentamente os cidadãos, interpretando os seus sentimentos mais genuínos, como quando foi visto em Berlim comemorando o título da Itália na Copa de 2006.
Por outro lado, os críticos dirão que Napolitano fez do país, que é parlamentarista, uma república presidencialista e adotou uma interpretação bastante liberal de suas próprias prerrogativas no caso da renúncia de Berlusconi. Já os apoiadores o julgarão como determinante para evitar o colapso do país no início da década passada.
O fio condutor de sua ação foi o diálogo entre as forças políticas. Napolitano passou os primeiros dois anos de mandato cuidando do instável governo de Romano Prodi, até sua queda e o posterior retorno de Berlusconi ao poder. Os três anos seguintes foram gastos tentando impor limites ao ativismo do líder conservador. Paradoxalmente, é precisamente com o nascimento do governo Monti que começa a fase mais difícil: apesar de ter evitado uma quebra, a Itália não consegue escapar da recessão. A imagem do governo técnico desmorona pouco a pouco, e o partido de Berlusconi o abandona, levando à renúncia de Monti, contra a vontade de Napolitano, em 2013.
Não só isso: Monti decide entrar na política. Napolitano, em vão, tenta demovê-lo da ideia, e sua relação pessoal sairia arranhada desse episódio. As eleições daquele ano produziriam um Parlamento fragmentado e que não conseguia chegar a um acordo para nomear um primeiro-ministro. Ao mesmo tempo, era preciso eleger um novo presidente da República, tarefa que, na Itália, cabe a deputados e senadores.
Após cinco votações em que nenhum candidato conseguiu se eleger, dirigentes dos partidos fizeram um apelo para que Napolitano aceitasse ser reconduzido ao cargo, o que seria algo inédito na história da República Italiana.
O chefe de Estado aceitou e foi reeleito com votos de quase todos os partidos, com exceção do antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) e do Esquerda, Ecologia e Liberdade (SEL).
Napolitano continuaria na Presidência por mais quase dois anos, até que anunciou sua renúncia, em um discurso de fim de ano em 31 de dezembro de 2014, devido à idade avançada. (ANSA).