União Europeia

Morte de professora transexual causa comoção na Itália

Cloe Bianco havia sido suspensa por se apresentar como mulher

Cloe Bianco se suicidou no norte da Itália

Redazione Ansa

(ANSA) - O suicídio de uma professora transexual provocou comoção na Itália, país cujo Parlamento suspendeu a tramitação de um projeto para criminalizar a transfobia após pressões do Vaticano.

O corpo de Cloe Bianco, de 58 anos de idade, foi encontrado carbonizado dentro de um trailer incendiado ao lado de uma estrada na província de Belluno, no norte da Itália, em 11 de junho.

Um dia antes, ela havia escrito um post em seu blog no qual dizia que colocaria em prática sua "morte livre". "Neste último dia, festejei com uma refeição deliciosa e excelentes néctares de Baco, aproveitando pela última vez vinhos e bebidas que me agradam. Esta simples festa do fim da minha vida foi acompanhada por boa música na minha pequena casa sobre rodas, onde agora permanecerei", escreveu Bianco.

A mulher também usava o blog para desabafar sobre suas angústias e as tentativas dos outros de "aniquilar" sua pessoa por conta de sua condição de transexual.

Nascida como Luca Bianco, ela dava aulas de física em uma escola técnica de San Donà di Piave, na região do Vêneto, e um dia, em 2015, apareceu diante de seus alunos vestida com roupas femininas, mostrando como realmente se sentia. "A partir de hoje, me chamem de Cloe", pedira a professora.

Uma estudante contou o caso para seu pai, que denunciou a história para a secretária de Educação do Vêneto, Elena Donazzan. Inicialmente, a direção da escola teria defendido Bianco, mas a pressão foi tão grande que ela acabou suspensa por três dias e depois transferida de forma definitiva para funções burocráticas.

A professora ainda recorreu à Justiça do Trabalho de Veneza para reverter a suspensão, mas o tribunal disse que a punição era legítima, apesar da "escolha identitária" sonhada por Bianco "desde os cinco anos". Segundo a corte, a docente não havia preparado seus alunos "adequadamente".

No último fim de semana, o Ministério da Educação da Itália anunciou que vai apurar o caso para tentar reconstruir todos os seus aspectos. Já o ministro do Trabalho, Andrea Orlando, afirmou que é "inaceitável" que uma funcionária sofra discriminação por conta de sua identidade de gênero.

"Aquele trailer é também o perímetro de nossos preconceitos, da nossa superficialidade, da aposta que se perde quando escolhemos o desprezo para agradar à ignorância. Ignorância contra quem é julgado como diferente, contra quem quer apenas viver e ser acolhido e respeitado como pessoa. Isso é o que Cloe pedia", acrescentou Orlando.

Já a Arcigay, principal ONG de defesa da comunidade LGBTQIA+ na Itália, afirmou que as pessoas transexuais são um "alvo social atingido diariamente por um ódio feroz". "A transfobia joga as pessoas em uma espiral de solidão e marginalização, as expõe à violência e às vezes as mata", declarou o secretário-geral da entidade, Gabriele Piazzoni.

Por sua vez, Donazzan acusou o "movimento LGBT" de usar "a morte trágica de uma pessoa para fazer polêmica política". "Acredito que quem deixou sozinho o professor Bianco foi justamente o movimento LGBT", disse a secretária, usando o pronome masculino e ignorando a identidade de gênero da docente morta.

Donazzan ainda criticou Bianco e afirmou que a escola não é lugar para "ostentar" a sexualidade. "Dizer que é homossexual é uma coisa, apresentar-se na sala com uma peruca loira, um seio falso e uma minissaia é outra", acrescentou.

Uma estudante da escola de San Donà di Piave, identificada apenas como Sara, publicou um relato nas redes sociais e disse que os pais dos alunos "faziam fila para conversar" com a professora, apenas para "vê-la pessoalmente e depois menosprezá-la", como se ela fosse um "show de aberrações".

Transfobia

O Parlamento da Itália chegou a discutir no ano passado um projeto de lei para criminalizar a transfobia e a homofobia, mas a tramitação do texto foi paralisada no Senado devido à resistência de partidos conservadores e após pressões do Vaticano.

O projeto tipificaria pela primeira vez esses dois crimes, equiparando-os aos preconceitos por motivos de raça, etnia e religião.

No entanto, a direita e a Igreja Católica questionavam um artigo que definia "identidade de gênero" como "a identificação percebida e manifestada sobre si em relação ao gênero, mesmo que este não seja correspondente ao sexo, independentemente de se ter concluído um percurso de transição". (ANSA)  

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