(ANSA) - Após ter perdido sua base de apoio no Parlamento, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, renunciou ao cargo pela segunda vez em uma semana, mas agora de forma definitiva.
No poder desde fevereiro de 2021, o economista de 74 anos se reuniu nesta quinta-feira (21) com o presidente Sergio Mattarella para comunicá-lo sobre sua decisão.
"O presidente da República recebeu nesta manhã o presidente do Conselho dos Ministros, professor Mario Draghi, o qual, após ter relatado sobre a votação de ontem no Senado, reiterou sua renúncia e a do governo por ele presidido", disse o secretário-geral da Presidência da República, Ugo Zampetti.
Draghi ainda continuará no cargo até a nomeação de um sucessor, mas apenas para cuidar de assuntos correntes. Durante a tarde, Mattarella deve receber os presidentes da Câmara dos Deputados, Roberto Fico, e do Senado, Elisabetta Casellati, para informar seus próximos passos.
A expectativa dos partidos é de que o chefe de Estado dissolva o Parlamento e convoque eleições antecipadas ainda neste ano - o fim natural da atual legislatura seria em março de 2023.
Pouco antes de se reunir com Mattarella, Draghi ainda fez um breve discurso na Câmara dos Deputados e se mostrou emocionado, algo raro em seus 17 meses de governo.
"Às vezes, até os banqueiros centrais usam o coração. Obrigado por isso e por todo o trabalho feito nesse período", brincou o premiê, também ex-presidente do Banco Central Europeu, ao fim de um longo aplauso por parte dos parlamentares.
Draghi já havia tentado renunciar na última quinta (14), após o partido antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) ter boicotado uma moção de confiança a um projeto do governo no Senado.
Naquela ocasião, no entanto, Mattarella rejeitou a renúncia e pediu que o premiê voltasse ao Parlamento para verificar se seria possível continuar governando.
Em discurso no Senado na última quarta-feira (20), o economista defendeu sua gestão, elencou prioridades para o futuro e pediu a reconstrução do "pacto de confiança" que possibilitara o nascimento de sua coalizão de união nacional, mas não foi suficiente.
O primeiro-ministro optou por submeter ao voto de confiança uma resolução do senador de centro Pier Ferdinando Casini, que dizia apenas que a Câmara Alta aprovava seu discurso, porém a maior parte da base governista decidiu não participar da sessão.
A ultranacionalista Liga, de Matteo Salvini, e o conservador Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, queriam um sinal claro de ruptura em relação ao M5S. Já o movimento antissistema acusou Draghi de colocar-se abertamente contra o partido, restando apenas a centro-esquerda e pequenas legendas de centro ao lado do governo.
"Não somos como os outros, quem assumiu a responsabilidade de prejudicar o país vai pagar as consequências nas urnas", afirmou o ex-premiê Enrico Letta, líder do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda. "O Parlamento se colocou contra o país, mas não todos, nós demonstramos que olhamos os interesses do país, e os eleitores vão premiar isso", acrescentou.
União nacional
Draghi chegou ao poder em fevereiro de 2021, quando foi convocado por Mattarella para guiar uma ampla coalizão e evitar a realização de eleições antecipadas em plena pandemia.
Sem experiência prévia na política, o economista tinha como principais objetivos acelerar a campanha de vacinação contra a Covid-19 e preparar o Plano Nacional de Retomada e Resiliência (PNRR), projeto para utilizar os quase 200 bilhões de euros destinados à Itália pelo fundo da União Europeia para o pós-pandemia.
Essas duas metas foram alcançadas, mas esperava-se que Draghi governasse até o fim da atual legislatura, no primeiro semestre de 2023, conferindo estabilidade à Itália em um momento de profunda tensão econômica e geopolítica.
Com o pior da pandemia ficando para trás e a aproximação das eleições, o premiê passou a ser alvo de fogo amigo dentro de sua base aliada, especialmente por parte do M5S e da Liga, que encontram dificuldades para manter seu discurso populista estando no governo de um ex-banqueiro central.
O resultado disso se refletiu nas pesquisas. Vencedor das eleições de 2018, com 32% dos votos, o movimento antissistema sofreu diversas cisões nos últimos quatro anos e hoje está apenas em quarto lugar, com cerca de 10% da preferência do eleitorado.
Já a Liga, soberana no campo conservador durante a legislatura atual, aparece nas pesquisas atrás do partido de ultradireita Irmãos da Itália (FdI), única grande força de oposição a Draghi antes da crise política.
Próximos passos
A Constituição da Itália determina que as eleições legislativas devem ocorrer até 70 dias depois da dissolução do Parlamento, período que pode coincidir com o fim de setembro e o início de outubro, caso Mattarella encerre a legislatura ainda neste mês.
Neste caso, um novo governo tomaria posse, na melhor das hipóteses, entre o fim de outubro e o início de novembro, quando a Lei Orçamentária de 2023 já precisa estar protocolada no Parlamento. Desde que se tornou república, após a Segunda Guerra Mundial, a Itália nunca realizou eleições legislativas no segundo semestre.
Existe ainda a hipótese de nenhum campo político obter maioria clara, o que pode fazer as negociações se estenderem e deixar o país sem um governo com plenos poderes - em 2018, foram necessários três meses para empossar Giuseppe Conte como premiê.
Dessa forma, a Itália arriscaria iniciar o próximo ano sem um orçamento e ficaria enfraquecida no cenário internacional, hoje tomado pelos efeitos da invasão russa à Ucrânia, como a disparada dos preços dos combustíveis e da energia elétrica e a perspectiva de uma crise alimentar global.
Além disso, a crise política coloca em risco os repasses da UE para o PNRR, que prevê 222,1 bilhões de euros em investimentos até 2026 para impulsionar a economia, sendo 191,5 bilhões em fundos europeus.
O governo Draghi já cumpriu metas referentes a 45 iniciativas, etapa necessária para receber um repasse de 24 bilhões de euros da União Europeia. No entanto, o país terá de apresentar resultados em mais 55 projetos até o fim do ano para embolsar uma nova parcela. (ANSA)
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