(ANSA) - Por Nadedja Calado - De volta à elite do Carnaval de São Paulo após 12 anos na "segunda divisão", a escola de samba Camisa Verde e Branco, uma das mais tradicionais da capital paulista, se prepara para levar à avenida um enredo em homenagem ao ex-jogador Adriano, da infância em uma favela carioca à coroação na Itália como "Imperador" em 2004, defendendo a Inter de Milão.
Intitulado "Adenla - O Imperador nas terras do Rei", o enredo parte de uma promessa: quando finalmente subisse ao Grupo Especial, a escola homenagearia o orixá Oxóssi, patrono espiritual da agremiação e que representa o rei da caça e senhor das matas nas religiões afro-brasileiras.
"Oxóssi deixou gravada na negritude uma memória genética de luta, que impulsiona meninos e meninas de favela, pretos e pretas, a buscar ascensão social, virar o jogo da vida. Adriano é um exemplo disso, um menino pobre que ganha um protagonismo gigantesco e que, no continente que escravizou o povo preto, é coroado imperador", explicou à ANSA o carnavalesco Renan Ribeiro.
Para contar essa história, o Camisa (com artigo masculino pela herança da fundação como cordão carnavalesco, tipo de manifestação mais antiga que as escolas de samba) vai partir das origens dessa linhagem nobre.
"A gente destrói essa ideia de uma África subserviente, foge da estética de savana, desmistifica esse continente caricato do inconsciente coletivo de girafas, gnus e rinocerontes. Não tem nenhuma girafa, não tem nenhuma zebra. O desfile abre com uma África tradicional, com estética quilombola e geométrica, uma África real no sentido de realeza, em oposição à tribal", explicou Ribeiro.
O desfile, que vai passar por Oxóssi como figura política e por grandes impérios africanos como os do Egito e de Mali, culminará na forma como essa história reverbera na sociedade atual, com o movimento Black Power, a influência musical da negritude e os campos de várzea cheios de meninos que sonham em ter o mundo a seus pés através do futebol, assim como "Didico".
Ao longo da pesquisa, o carnavalesco conta ter encontrado diversos paralelos entre o carismático ex-jogador brasileiro e Públio Élio Adriano, imperador romano entre 117 e 138 d.C.
"Assim como Didico, que saiu do nosso país, Adriano não era romano nem da linhagem real, tinha origem na Península Ibérica.
Os dois tiveram suas trajetórias transformadas quando perderam o pai [no caso do atleta, o episódio desencadeou um quadro de depressão e alcoolismo que levou à derrocada de sua carreira] e uma ascensão que parecia improvável para seus entornos", ressaltou.
Além disso, o Camisa Verde e Branco é tradicional da Barra Funda, bairro da Zona Oeste da capital paulista com forte influência de imigrantes italianos.
Não à toa, o Coliseu de Roma estará representado na última alegoria: "O enredo é denso e histórico, mas vai ficando mais jocoso, descontraído, para terminar com cara de Carnaval, de escola de samba. Vamos ver uma Roma tupiniquim, misturada com Brasil, Adriano e a Vila Cruzeiro [favela de origem do ex-atleta no Rio]".
Dessa forma, a apresentação se conecta com o carisma de Adriano, ídolo do Flamengo e da Inter de Milão, com passagens por Fiorentina, Parma, Roma, São Paulo, Corinthians, Athletico-PR e Miami United.
A irreverência de "Didico" também aparece no samba-enredo, lembrando quando, em 2010, após marcar um gol pelo Flamengo sobre o Vasco no Campeonato Carioca, ele tirou o uniforme e mostrou uma camiseta com os dizeres "Que Deus perdoe essas pessoas ruins".
No samba, o episódio virou o refrão principal: "Axé! A Verde e Branco voltou/Axé! Okê arô!/Enfim a promessa se realiza/Que Deus perdoe quem não é Camisa".
A letra também vai reverenciar a história de vida do homenageado: "Um craque de bola, no jogo da vida/A simplicidade em forma de lei/Eis o Imperador pra ser coroado nas terras do rei/Lá vem o Didico pra ser coroado nas terras do rei".
Para defender sua permanência no Grupo Especial, o Camisa Verde e Branco será a primeira escola a desfilar no Sambódromo do Anhembi, no dia 9 de fevereiro, às 23h15 (horário de Brasília). (ANSA).