(ANSA) - O cardeal Angelo Becciu, que está no meio de duas grandes investigações do Vaticano por desvios financeiros, compareceu nesta quinta-feira (5) perante o tribunal criminal do Vaticano e revelou que o papa Francisco autorizou gastos de 1 milhão de euros para libertar uma freira colombiana que estava em cativeiro por mais de quatro anos no Mali antes de ser solta em 2021.
A declaração foi dada durante o julgamento, quando ele foi questionado sobre seu relacionamento com a italiana Cecilia Marogna, mulher de sua confiança que está envolvida no escândalo financeiro na Igreja Católica.
Durante 2h30, o cardeal italiano de 73 anos rejeitou as "acusações completamente infundadas" apresentadas contra ele. No total, 10 pessoas estão sendo julgadas desde julho de 2021 por fraude, peculato, abuso de poder, lavagem de dinheiro, corrupção e extorsão.
Becciu revelou que o Papa contratou uma empresa de segurança britânica para encontrar a freira colombiana e protegê-la e garantiu que não teve relações impróprias com Marogna que foi intermediária na operação de libertação da religiosa Gloria Cecilia Narvaez, cujo sequestro foi feito pela Frente de Libertação Macina, um grupo ligado à Al-Qaeda, em fevereiro de 2017.
De acordo com o testemunho, Marogna intermediou o contato entre Becciu e uma agência de inteligência com sede em Londres um ano após o rapto para descobrir uma forma de libertar a irmã. Na ocasião, foi dito ao Papa que o eventual resgate custaria no máximo 1 milhão de euros.
"Ele aprovou. Devo dizer que todas as fases dessa operação foram aprovadas pelo Santo Padre", disse ele, sem ter especificado se o resgate foi realmente pago.
Apesar disso, a revelação esclareceu o uso dos serviços da empresa de segurança britânica, graças à intermediação de Marogna, que já havia afirmado ter sido empregada do cardeal para atividades de inteligência destinadas a libertar religiosos sequestrados, e recebeu 575 mil euros da Secretaria de Estado em uma conta eslovena.
O cardeal lamentou em sua declaração as informações e rumores que se espalharam sobre seu relacionamento com Marogna, "prejudicando" também sua "dignidade sacerdotal".
Caso -
O Tribunal da Santa Sé iniciou no ano passado um julgamento que tem o cardeal, ex-número 2 da Secretaria de Estado do Vaticano, principal Dicastério da Cúria Romana, e outras nove pessoas respondendo por crimes financeiros, incluindo peculato, lavagem de dinheiro, fraude, extorsão e abuso de poder, na aquisição de um edifício em Londres que causou um rombo de 350 milhões de euros nas contas do Vaticano.
O dinheiro usado na negociação veio do Óbolo de São Pedro, um sistema de arrecadação de dinheiro para caridade da Igreja Católica. Becciu sempre negou as acusações e alega que o prédio de luxo foi comprado com recursos da Secretaria de Estado.
Durante o julgamento, Becciu voltou a negar que o dinheiro do Óbolo de São Pedro tenha sido usado para a venda do prédio, já que os 45 ou 50 milhões que recebe anualmente já eram destinados a outros bens.
"Não foram utilizados os fundos do Óbolo, mas os da Secretaria de Estado", assegurou ele, alegando ter "seguido as práticas" dos seus antecessores e ressaltando a "confiança" depositada em seus funcionários.
De acordo com Becciu, os fundos reservados da Secretaria de Estado foram gastos porque o seu Gabinete Administrativo acreditava que a operação seria bem sucedida. Além disso, ele confessou que impediu o suicídio do responsável pelo escritório até 2019, o monsenhor Alberto Perlasca, inicialmente investigado, mas depois isento.
Por sua vez, Perlasca, que é considerado uma testemunha-chave do julgamento sobre a gestão dos fundos da Secretaria de Estado, pediu uma ação civil contra o cardeal pelo crime de suborno de uma testemunha. Ele alega que Becciu se dirigiu ao bispo de Como, monsenhor Oscar Cantoni, para pressionar Perlasca a se retratar.
Em seu testemunho, Becciu ainda negou qualquer negligência no envio de 125 mil euros para a Cooperativa Spes da diocese de Ozieri, administrada por seu irmão Tonino.
Em março passado, o ex-número 2 da Secretaria de Estado do Vaticano foi liberado pelo papa Francisco de manter o juramento de segredo e, portanto, teve o "benefício" de testemunhar abertamente. (ANSA).